sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Que em 2012 nos tornemos definitivamente humanos!

Alguns escritores primorosos esculpem as palavras com tamanha maestria que ao lermos os seus escritos, eles nos tocam em profundidade, criando não apenas uma empatia com o que foi escrito, mas um sentimento de que aquelas palavras são nossas, ou, ao menos, um desejo imenso de que fossem.

Os leitores dos meus Blogs Defesa do Trabalhador e Fragmentos sabem que eu já havia encerrado as atividades dos blogs neste ano de 2011, pois estou para sair para uma curta férias, motivo pelo qual, nos próximos 10/15 dias, creio não vou fazer novas postagem, pois quero aproveitar o recesso da Justiça do Trabalho (para aqueles que ainda não sabem, sou advogado trabalhista) para ter o descansar um pouco.

Entretanto, me deparei hoje, no meu último dia de trabalho, com o maravilhoso texto do amigo e maravilhoso cronista João Paulo Silva, de Natal, RN, publicado em seu Blog as Crônicas de João, clique aqui para visitar, que volta a figurar na lista de Blogs indicados do Defesa do Trabalhador, do qual ficou ausente por um determinado período, em face de problemas técnicos.

O texto é maravilhoso, retrata uma situação vivida por João, uma cena cotidiana que certamente já cruzou a vida de todos nós.

A mensagem final do texto: o desejo do amanhecer definitivamente humanos, é o meu desejo de 2012 para todos os meus leitores, amigos, familiares, equipe de trabalho, camaradas de luta, enfim para toda a humanidade.

Acrescento, apenas o seguinte, ao desejo do amigo João, com o qual eu sei que ele concordará plenamente, até que um dia, após superarmos esse sistema capitalista excludente e cruel, acordarmos definitivamente humanos.

Um 2012 maravilhoso para todos!

Adriano Espíndola Cavalheiro é advogado, assessor jurídico sindical, militante do PSTU, apaixonado pela vida, pela humanidade e por sua esposa e compenheira Rita e é blogueiro.

O texto do João :

Por um sorvete

Por João Paulo da Silva

A hostilidade do mundo quase sempre nos obriga a viver numa sufocante solidão. Vivemos como a última gota de uma cachaça barata na garrafa de um Deus mendigo, onde constantemente nos encontramos perdidos e sós, mesmo cercados por algumas centenas de pessoas.

É com tristeza que percebo o quanto o homem se afasta de si mesmo, se distanciando da essência da condição humana, numa crise de identidade que o levará para o vácuo das gargantas dos próprios demônios. Dia desses, contra minha vontade, pude comprovar o que digo hoje.

Infelizmente, para se entrar em um cinema é necessário entrar primeiro no shopping, ambiente extremamente artificial que dificulta bastante o discernimento entre o que é humano e o que é mercadoria. Já era final de tarde quando saí do cinema. Eu tinha ido ver um drama, nada muito cruel que mereça uma comparação com a realidade que nos envolve. Desci pela escada rolante me sentindo meio vazio, desatento e infeliz. De súbito, como se tivesse surgido de dentro do bolso de alguém, um garotinho apareceu em minha frente. Tinha os pés sujos, descalços e usava uma roupinha rasgada. Olhou-me com uma vivacidade que não era a mesma de sua voz minguada, e disse meio suplicante:

- Tio, me paga um sorvete?

Senti como se tivessem me roubado todo o ar dos pulmões, parecia haver uma mão invisível a me apertar a garganta. Talvez fosse a mesma mão invisível que controla o mercado, aquela da qual Adam Smith falou. Devia estar sufocando o menino também, pois ele suplicou novamente:

- Tio, me paga um sorvete?

Respondi sem ter a exata certeza do que dizia.
- Pago, claro que pago.

Dirigi-me com o garoto a um quiosque bem a nossa frente. Era um McDonald’s. Tive um momento de indecisão político-ideológica que logo fora esmagado pelo alvoroço feliz que se instalou no rosto do moleque. Ainda assim era um conflito. Shakespeare diria que eu me encontrava entre a presa e o dragão. Se comprasse o sorvete, estaria contribuindo para o fortalecimento das paredes de nossa angustiante prisão. Se não o comprasse, possivelmente frustraria a miragem de felicidade do menino e ainda o deixaria com fome. Acabei pagando.

As mãos do garoto mal tocavam a parte superior do balcão. O balconista dirigiu-se a mim:
- Pois não?
- Um sorvete pra ele.
- Só um minuto.

Duas senhoras ao lado deviam estar olhando com maus olhos o meu ato, assim como o balconista que também não conseguira disfarçar sua indiferença através de um sorriso malicioso no canto da boca. Aproveitei esse intervalo de tempo para conversar com o menino.
- Onde está sua mãe?
- Em casa.
- E seu pai?
- Também.
- E o que é que você está fazendo na rua?
- Arrumando dinheiro.
- Foram seus pais que pediram?

O garotinho vacilou por um instante, provavelmente pensando no que responder. Acabou balançando a cabeça numa afirmativa.
Eu estava gelado, sentia um misto de desespero e revolta, algo me comprimia o peito. Uma mão. Uma mão invisível. Por estar distraído, não vi quando o segurança do shopping começou a puxar o moleque para fora. Acordado pelo esperneio do menino, intervi:
- Êpa! Pode deixar! Ele tá comigo.

O segurança virou as costas e saiu sem me olhar nos olhos. Muitos se sentiriam poderosos se tivessem feito o que fiz. Eu me senti impotente. Tudo que pude fazer para amenizar a situação foi afagar a cabeça do garoto, que me retribuiu o gesto com um sorriso tímido. Não sei ao certo o que senti, mas posso garantir que não se tratava de piedade.
Paguei o sorvete e o entreguei ao menino, que ainda suplicante me disse:

- Tio, me leva lá fora.
Eu o levei. Antes que ele corresse para se encontrar com seus amigos que o esperavam numa esquina, eu lhe adverti:
- Não tome isso tudo sozinho pra não ficar doente, divida com seus amigos.
- Tá, tio. Tchau!

Fiquei ali parado por uns instantes, não sabia exatamente o que fazer ou sentir. Estava com a cabeça cheia de pensamentos embaralhados, desnorteados, não tinha a exata certeza do que acabara de fazer. Eu deveria me sentir feliz? Deveria me sentir um homem? Um ser humano? Acho que não. Tudo aquilo tinha se mostrado muito pequeno.

As relações sociais capitalistas haviam acabado de pagar R$ 2,00 pelo sorriso momentâneo daquela criança. Comecei a ficar um tanto triste, mas não desiludido.

Em meu peito afloraram todos os tipos de sensações possíveis, menos aquela do dever cumprido. Amanhã aquele garoto amanheceria com fome de novo e a angustiante prisão ainda estaria nos sufocando com sua mão invisível, até o dia em que decidirmos amanhecer definitivamente humanos.

Fonte: As Crônicas de João, clique aqui e faça uma visita (Conselho de amigo)

sábado, 24 de dezembro de 2011

Mensagem de fim de ano aos leitores do Blog


Elogio da Dialética


A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante. Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.

No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar!
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!

O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.

Quando os dominadores falarem
falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?

De quem depende a continuação desse domínio?
De nós.
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.

Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!

Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.

E o "hoje" nascerá do "jamais".

por Brecht

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

CÃO SARNENTO

Adriano Espíndola

Feito um cão  de rua,

ladrando sem paz

pela madrugada,

busco sentido à vida.

 

O  frio da solidão me permeia,

no meio de uma matilha de estranhos.

 

10.06.2010

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Uma homenagem aos cem anos de MARIGHELLA

 

Compartilho com vcs essa singela homenagem ao revolucionário Carlos Marighella, prestada pelo Blog Passarin, e que aqui republico com prazer.

Adriano

 

Não tive tempo para ter medo

No dia 05 de dezembro completou 100 anos do nascimento do lutador revolucionário e poeta Carlos Marighella. Aqui segue uma pequena homenagem com uma seleção de seus poemas. Cada vez mais são divulgadas suas poesias o que nos ajuda a compreender melhor quem foi esse grande homem. Ao final, segue uma canção feita recentemente por Mano Brown em homenagem à Marighella. Para saber mais sobre quem foi Marighella, sugiro este link.

 

LIBERDADE

Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome”

(Presídio Especial, 1939)

O PAÍS DE UMA NOTA SÓ

Não pretendo nada,
nem flores, louvores, triunfos.
nada de nada.

Somente um protesto,
uma brecha no muro,
e fazer ecoar,
com voz surda que seja,
e sem outro valor,
o que se esconde no peito,
no fundo da alma
de milhões de sufocados.
Algo por onde possa filtrar o pensamento,
a idéia que puseram no cárcere.

A passagem subiu,
o leite acabou,
a criança morreu,
a carne sumiu,
o IPM prendeu,
o DOPS torturou,
o deputado cedeu,
a linha dura vetou,
a censura proibiu,
o governo entregou,
o desemprego cresceu,
a carestia aumentou,
o Nordeste encolheu,
o país resvalou.

Tudo dó,
tudo dó,
tudo dó…

E em todo o país
repercute o tom
de uma nota só…
de uma nota só…

RONDÓ DA LIBERDADE

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre…
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

PÃO DE ACÚCAR

Manhã clara de sol toda ouro e azul
e no fundo do céu,
a corcova apontando,
a silhueta do Pão de Açúcar.
Bem no alto o bondinho
- Lá embaixo a floresta,
o verde tropical,
e mais embaixo, profundo,
o mar rolando em espumas na praia.
Pão de Açúcar
- uma doce mentira!
Nunca foste pão,
és somente granito, rocha viva,
ornamento selvagem da natureza dos trópicos.
Bom seria que foras mesmo um pão enormíssimo,
um pão de verdade,
que daria talvez para alimentar muito tempo
os famintos que rolam pela aí na cidade.
E que te olham, Pão de Açúcar,
e não podem te ver,
que a miséria os cegou,
secando-lhes para sempre os olhos da poesia.

CAPOEIRA

Capoeira quem te mandou,
capoeira, foi teu padrinho.

O berimbau retinindo
na corda retesa,
cadência marcada
da ginga do jogo.

Zum, zum, zum,
capoeira mata um.

A perna direita
lançada pra frente,
o peso do corpo equilibrado na esquerda,
os braços jogando
de um lado pro outro…

Capoeira quem te ensinou?

De repente uma queda,
o capoeira na terra,
o aú,
de cabeça pra baixo,
as pernas no ar,
a rasteira varrendo
como foice no chão,
o corta-capim, o rabo-de-arraia,
e o inimigo caindo
de supetão,
ao puxavante
da baianada.

Luta africana
que o mestiço encampou,
que os guerreiros da mata,
quilombos, palmares,
souberam jogar.
Que o angolano nos trouxe,
que o mestre Pastinha nos soube ensinar.

Coreografia. Jongo do povo.

Zum, zum, zum
capoeira mata um.

CANÇÃO DOS LÍRIOS

Eu canto à vida,
eu canto a liberdade,
como os lírios crescem em nossos campos,
livres, selvagens.

Se já não crescem como antes,
existe algo sombrio,
é preciso abrir uma clareira no bosque.

Não me limitarei ao campo da arte…
e não escolherei momento, tempo e modo,
de exaltar-te,
lírio, flor, canção, fruto,
amor – a liberdade.
Não calarei jamais
e sempre te direi a mais bela, a mais pura.

Se já não crescem como antes os lírios
em nossos campos,
existe algo sombrio,
é preciso abrir uma clareira no bosque.

MÚSICA DE MANO BROWN EM HOMENAGEM À MARIGHELLA

 

Fonte: Blog Passarin, clique aqui e conheça

domingo, 4 de dezembro de 2011

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Aos que vão nascer - Trincheira

Dois poemas, um de Brecht, um primor e uma certeza em poesia, e outro, uma brincadeira errante, de minha autoria.

Adriano Espíndola

=-==-=

AOS QUE VÃO NASCER

1

É verdade, eu vivo em tempos negros.

Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas

Indica insensibilidade. Aquele que ri

Apenas não recebeu ainda

A terrível notícia.

Que tempos são esses, em que

Falar de árvores é quase um crime

Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?

Aquele que atravessa a rua tranqüilo

Não está mais ao alcance de seus amigos

Necessitados?

 

Sim, ainda ganho meu sustento

Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço

Me dá direito a comer a fartar.

Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)

 

As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem!

Mas como posso comer e beber, se

Tiro o que como ao que tem fome

E meu copo d’água falta ao que tem sede?

E no entanto eu como e bebo.

 

Eu bem gostaria de ser sábio.

Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria:

Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve

Levar sem medo

E passar sem violência

Pagar o mal com o bem

Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los

Isto é sábio.

Nada disso sei fazer:

É verdade, eu vivo em tempos negros.

 

2

À cidade cheguei em tempo de desordem

Quando reinava a fome.

Entre os homens cheguei em tempo de tumulto

E me revoltei junto com eles.

Assim passou o tempo

Que sobre a terra me foi dado.

 

A comida comi entre as batalhas

Deitei-me para dormir entre os assassinos

Do amor cuidei displicente

E impaciente contemplei a natureza.

Assim passou o tempo

Que sobre a terra me foi dado.

 

As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.

A linguagem denunciou-me ao carrasco.

Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima

Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.

Assim passou o tempo

Que sobre a terra me foi dado.

 

As forças eram mínimas. A meta

Estava bem distante.

Era bem visível, embora para mim

Quase inatingível.

Assim passou o tempo

Que nesta terra me foi dado.

 

3

Vocês, que emergirão do dilúvio

Em que afundamos

Pensem

Quando falarem de nossas fraquezas

Também nos tempos negros

De que escaparam.

Andávamos então, trocando de países como de sandálias

Através das lutas de classes, desesperados

Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.

 

Entretanto sabemos:

Também o ódio à baixeza

Deforma as feições.

Também a ira pela injustiça

Torna a voz rouca. Ah, e nós

Que queríamos preparar o chão para o amor

Não pudemos nós mesmos ser amigos.

 

Mas vocês, quando chegar o momento

Do homem ser parceiro do homem

Pensem em nós

Com simpatia.

 

TRINCHEIRA

Adriano Espíndola

Nesta terra latifúndio,

meus poemas afiados

cortam cercas e alambrados,

Desafiam coronéis.

 

Nem zebu,

nem usineiros.

Nessa guerra,

eu tenho lado.

Socialista sou sem-terra

e acreditem é fim de papo.

25/02/2005

domingo, 20 de novembro de 2011

UM POUCO DO POETA MANOEL DE BARROS

O TEMA DA MINHA POESIA SOU EU MESMO

por André Luís Barros

A natureza nunca mais foi a mesma depois de passar por suas frases. O poeta pantaneiro Manoel de Barros, que está lançando um novo ajuntamento de versos e vida, o Livro sobre nada (Editora Record) , se considera acima de tudo um “fazedor de frases”: “A frase para ser boa precisa ser uma coisa ilógica, o ilogismo é muito importante pois a razão diminui a poesia”, ensina. Avesso a entrevistas, quanto mais por telefone, Manoel de Barros, considerado por muitos o maior poeta brasileiro vivo, concordou em concedeu conversar com o caderno Idéias, por telefone, de sua casa em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, onde vive a quatro horas de sua fazenda de criação de gado e costuma sair à tarde para “desenferrujar” e bicar umas pingas com amigos. Com simplicidade, o autor de livros como Compêndio para uso dos pássaros (1960), Arranjos para assobio (1982), Livro de pré-coisas (1985) e O guardador de águas (1989) falou sobre paixões literárias, o gosto pelo ócio e por programas divertidos na televisão, como Os trapalhões e até o mexicano Chaves e lembrou até um insuspeitado passado no Partido Comunista. “Mas nunca fui afeito a grupos, gerações, não podia mesmo durar muito naquele partido. Hoje, conquistei o ócio, o que é muito importante para o poeta”, comemora.


André Luís Barros - O senhor só ficou famoso como um grande poeta depois dos 70 anos. Isso foi algo planejado, ou aconteceu por acaso?
Manoel de Barros - Isso é negócio do meu temperamento. Nunca tive projeto, só livro. Também nunca achei que precisasse me isolar no Pantanal para compor melhor. Sou pantaneiro, nasci aqui, só podia viver e escrever mesmo sobre as coisas daqui. Mas nunca tive preocupação em aparecer muito, ser uma pessoa conhecida, isso é sincero mesmo. Eu queria só fazer poesia. A minha vergonhez explica muita coisa. Sou tímido por temperamento, é possível que só seja poeta por causa disso. Sou um ser abúlico, tenho minhas contradições e tento me encontrar através da poesia. É claro que sucesso é bom, ser amado, admirado pela poesia é bom, quem disser que não está mentindo. Fui descoberto de repente, as pessoas começaram a me perceber. Nunca na minha vida fui de participar muito de grupo. Acho que em poesia também não pertenço a nenhuma geração, a tal geração de 1945 não é a minha, e vejo outros poetas, como João Cabral de Melo Neto, que não é de geração nenhuma. Aliás, como classificar o Rimbaud? Em que geração classificamos o Augusto dos Anjos? Eles são simplesmente grandes poetas.

André Luís Barros  - O senhor conheceu, tem uma grande admiração e até prometeu um livro sobre João Guimarães Rosa. O primeiro livro dele, o inédito Magma, será lançado em breve. Onde está o livro prometido?
Manoel de Barros  - Foi adiado. O Ênio Silveira tinha me sugerido fazer esse livro e eu topei o negócio, fiquei animado. Mas quando fui escrever, em vez de ser minha, a frase que saía era do Rosa. É que eu tinha relido muita coisa dele e fiquei impregnado. Não convém isso, não é bom porque você acaba mergulhado mesmo na obra do autor, acaba afogado. Anos atrás eu tinha tentado fazer um ensaio quase lingüístico sobre o conto Cara-de-Bronze, do Rosa, de que gosto muito. Mas me embananei todo, no meio. Eu não falo mais que três línguas e o Rosa conhecia língua demais, achei que seria possível fazer o ensaio mas ficou muito difícil. Disseram que o Magma não é tão bom quanto os outros livros do Rosa. Realmente ele tinha talento mesmo era para a prosa, e o engraçado é que ele foi poeta no fim da vida. Geralmente o sujeito é poeta aos 18 anos, quando aparecem as espinhas, e depois pode virar prosador. Mas há versos perfeitos no livro Ave, palavra, seu último livro, e Tutaméia e A terceira margem do rio são pura poesia. Eu sou mais de fazer frases, sou bom em criar frases.

André Luís Barros  - O seu trabalho é mais fragmentado.
Manoel de Barros  - Cada vez mais. O próprio mundo está obrigando a gente a se fragmentar. É uma falta de unidade, o homem moderno não tem mais as grandes unidades, como Deus. A gente não tem crença em mais nada, aliás, toda a arte deste século é fragmentada, ninguém defende mais uma ideologia, hoje. O homem não acredita mais nem em ideologia, as religiões estão se fragmentando, o protestantismo está se dividindo, o cristianismo.

André Luís Barros  - O senhor é religioso?
Manoel de Barros  - Sim, tenho formação católica, estudei dez anos interno em colégio de padre. Evidente que depois de alguns anos eu era comunista. Foi minha fase libertária, fui filiado ao Partido. Foi ali que conheci o Carlos Lacerda. O Apolônio de Carvalho me botou lá, depois ele foi da dissidência do Partido. Fui companheiro do Lacerda, que na época era muito diferente do que ele se tornaria, era comunista mesmo.

André Luís Barros  - Até que ponto a despreocupação com o dinheiro é importante para o poeta?
Manoel de Barros  - Levei vários anos até conquistar o ócio, isso é importante para o poeta, ele não pode ter a cabeça virada só para coisas a resolver. Fiquei muitos anos arrumando minha vida, saldando dívidas, atendendo papagaio. Há oito anos, cheguei aqui pra Mato Grosso, tomei pé aqui. Agora estou vagabundo, tenho direito a isso. Herdei uma fazenda, em campo aberto, terra nua, sou fazendeiro de gado, vaca, não sou “o rei do boi, do gado” mas vivo bem. Este é o meu caso: enquanto estava tomando pé da fazenda não escrevi uma linha. Mas sabemos de outros casos, como o Dostoiévski, que escreveu perseguido por dívidas, ou o Graciliano Ramos, que além das dívidas ainda tinha família pra criar.

André Luís Barros  - Qual é o tema do poeta?
Manoel de Barros  - O tema do poeta é sempre ele mesmo. Ele é um narcisista: expõe o mundo através dele mesmo. Ele quer ser o mundo, e pelas inquietações dele, desejos, esperanças, o mundo aparece. Através de sua essência, a essência do mundo consegue aparecer. O tema da minha poesia sou eu mesmo e eu sou pantaneiro. Então, não é que eu descreva o Pantanal, não sou disso, nem de narrar nada. Mas nasci aqui, fiquei até os oito anos e depois fui estudar. Tenho um lastro da infância, tudo o que a gente é mais tarde vem da infância. Nesse último livro meu, Livro sobre nada, tem muitos versos que vieram da infância. Tem um poema que se chama “A arte de infantilizar formigas”. Num vídeo que fizeram sobre mim, o rapaz chega uma hora que pergunta: “Escuta aqui, o senhor escreveu que formiga não tem dor nas costas. Mas como é que o senhor sabe?”. Outro rapaz me escreveu do Rio, diz que freqüenta as aulas de um professor muito inteligente em energia nuclear, física, poesia e romance, e ele fez a pergunta, que é um verso meu: “Professor, por que a 15 metros do arco-íris o sol é cheiroso?”. O professor, que tinha estudado Einstein e outros autores, disse: “Essa pergunta não vou responder, é absurda”. Ou seja, encabulou. Creio que a poesia está de mãos dadas com o ilógico. Não gosto de dar confiança para a razão, ela diminui a poesia.

André Luís Barros  - Como é seu dia-a-dia?
Manoel de Barros  - Pela estrada, chego a minha fazenda em quatro horas, estou bem perto do Pantanal. Agora o clima é seco, e dá para correr de carro. Mas quando a estrada enche, só de avião. Fico em casa lendo, escutando músico, vejo televisão. De manhã, fico escrevendo, terminando livro, fazendo entrevista.

André Luís Barros  - Hoje, o senhor lê que autores?
Manoel de Barros  - Já li muita coisa séria, além dos escritores, li filosofia, Nietszche, Kant, Walter Benjamim, Adorno, essas coisas. Mas hoje tô lendo mais porcaria mesmo, quero descansar a cabeça. E estou com a vista meio ruim. Vejo também muitas coisas engraçadas na TV, o Didi e o Dedé (Os trapalhões), o Chaves, sabe quem é?, aquele chato mexicano. E escuto muita música. De tarde, saio pra tomar umas pingas, enquanto meu fígado não arrebentou. Mas às vezes sofro aqui nessa cidade. A poesia faz da gente uma espécie de mito, e as pessoas acabam fazendo da gente uma imagem diferente da realidade. Tem gente aqui que pensa que eu vivo isolado, sozinho, sem amigos, falam que eu sou intratável. Não sou isolado, não.

André Luís Barros  - Como nasceu seu amor pelo trabalho da linguagem?
Manoel de Barros  – Sempre tive uma preocupação com a palavra, com as frases. No colégio interno, os padres me deram o Padre Antônio Vieira para ler. Ele era um grande frasista, se preocupava com a ressonância verbal interna das frases. Em linguagem, ele muitas vezes não era tão católico assim. Depois que comecei a ler o Vieira não parei mais de prestar atenção nas frases. Sou um fazedor de frases. O que é o verso? É uma frase, uma unidade rítmica, que tem como característica ser ilógica. O ilogismo é muito importante para o verso.

André Luís Barros  - O senhor citou o poeta francês Rimbaud. Fale um pouco dele.
Manoel de Barros  - Foi o poeta mais importante para mim. Aprendi com ele uma certa promiscuidade dos sentidos na natureza. Ele tinha uma linguagem própria, toda sua, aquela coisa do “trouver la langue” (“encontrar a língua”).

André Luís Barros  – O senhor citou também João Cabral de Melo Neto. O que acha de sua obra?
Manoel de Barros  - O Cabral é o maior poeta brasileiro de todos os tempos. É um arquiteto da palavra, sabe o que faz com ela. Tem um ritmo dele, totalmente dele, é diferente de todos os outros e tinha que ser, pois ele é um ser. João Cabral é muito limpo.

FIM

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Fonte:

BARROS, André Luís. “O tema da minha poesia sou eu mesmo (entrevista com Manoel de Barros)”. In.: Jornal do Brasil. Ideias. 24/08/1996.

Observação: Os desenhos dispersos pela postagem são de autoria do poeta pantaneiro Manoel de Barros e ilustrações como estas estão inseridas em diversas obras do poeta.

RETIRADO DO BLOG CAMINHO POÉTICO http://caminhopoetico.blog.com/

ACOMPANHE MANOEL DE BARROS NO TWITTER: Poeta_ManoeldB

terça-feira, 18 de outubro de 2011

BANDEIRA VERMELHA



Feito o poeta que depara
com uma pedra no meio do caminho,
eles passarão eu passarinho,
tecendo a colcha de retalhos
multicoloridos de minha vida,
cuja dialética do materialismo histórico
 que a permeia,
a transforma numa grande bandeira vermelha,
símbolo do meu incondicional
amor à humanidade 

(para Drumont, Quintana e Neruda, meu poetas prediletos e para todos os ativistas socialistas do mundo)

Adriano Espíndola

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

No lamaçal de Brasília: um governo se atola

Um ótimo poema do amigo Nando Poeta

Adriano Espíndola
=-=-==

No lamaçal de Brasília: um governo se atola



No lamaçal de Brasília: um governo se atola
Por Nando Poeta

Já faz parte da rotina
De nosso imenso Brasil.
Os casos de roubalheiras
Que cobre esse céu anil.
Dinheiro desce no ralo
Ou passa pelo funil.

Governo diz não saber
De esquema de propina
Dos cabides de empregos
Coberto pela cortina
Da lama lá de Brasília
Onde roubo faz ruína.

Sarney.Collor,FHC
Caíram em corrupção
O Lula diz não sabia
Mas teve seu mensalão
Agora é a vez de Dilma
Engrossando esse cordão.

No poder a sete meses
Dilma vive um mistério.
Já se chega a seis escândalos
Dentro do seu ministério.
O governo se atola
Nesse grande impropério.

Todos mergulham na lama
Na copa da roubalheira
Palocci, PC do B
Mergulha nessa sujeira
PMDB, PT
De braços na ribanceira.

Não esquecendo o PR
Dirigindo os Transportes
E o PP nas Cidades
Doava pra ter suportes
No Turismo da Esplanada
Na grana fez muitos cortes.

Que a prisão chegue a tempo
Pra essa corja de bandidos
Que parlamentar, ministros
Sejam todos já punidos
E que se confisque os ben
s
De todos os envolvidos. 

Visitem o Blog do Nando em clicando aqui.

domingo, 17 de julho de 2011

Primeiras lições da luta de classe

 

Essa postagem, um belo poema do saudoso Mário Lago, clonei do blog Molotov, visite-o se ainda não o conhecer, clique aqui

Adriano

=-=-=-=-=-=-=-

Mário Lago: "O dono da bola"

"Quando o Juca concordava
A garotada tomava
Conta da rua e armava
O campo de futebol.
Juca era o dono da bola.
Juca era o dono do jogo
Fazia o que bem entendia
E quando alguém discutia...
O Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca
Juca era o dono da bola.


Na hora de escolher o time
Era o Juca quem primeiro dizia
Os meninos que queria
Pro time dele.
Se o capitão do outro time
Discordava,
O jogo nem começava.
O Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca
Juca era o dono da bola.


A garotada corria
De um lado para o outro.
Dribla daqui, chuta pra lá,
Passa para ali, cabeceia prá cá...
Juca ficava sentado
O tempo todo. Mas na hora
De fazer gol se mexia.
Corria e gritava:
“Passa que quem faz gol sou eu”.
E se o outro não passava.
Ou se chutava e marcava
O gol que o Juca esperava...
O Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca
Juca era o dono da bola.

Todo gol que o outro time
Fazia era anulado.
Ou tinha sido com a mão
Ou impedido. Anulado.
O Juca dava rasteira,
Canelada, cabeçada,
Aleijava a garotada
E o juiz não marcava nada.
O tranco mais delicado
Dado no Juca era pênalti
E quando alguém discordava...
O Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca.

Juca era o dono da bola
Um dia o Alfredinho achou
Que aquilo era desaforo.
Driblou o primeiro, driblou o segundo,
Driblou o terceiro, o quarto...
O Juca xingou a mãe dele.
Ele meteu a mão no Juca
(A garotada ficou espantada).
O Juca avançou pra ele,
Ele tornou a dar no Juca
(A garotada ficou animada)
O Juca avançou outra vez.
Ele então jogou o Juca no chão
(A garotada foi toda em cima do Juca)

Quando Alfredinho voltou pra casa
O pai estava se queixando
Que o dinheiro que ganhava
Não chegava
pra alugar outra casa
ao menos com mais um quarto
pra botar seus nove filhos;
para comprar mais comida,
feijão pra seus nove filhos;
para comprar umas roupas
pra vestir seus nove filhos;
- Papai, por que o dinheiro
Que você ganha não chega?
- É pouco.
- Por que é pouco?
- Porque o patrão paga pouco.
- Papai por que vocês
Não pedem mais ao patrão?
- o patrão despede a gente,
A gente fica sem pão.
- Por que que o patrão despede?
- Porque ele é o dono das fábricas,
Porque ele é dono das máquinas.
- Papai,
Por que vocês
Não fazem com ele
O mesmo que nós fizemos com o Juca?
- Quem é o Juca?
- Juca era o dono da bola.
- Que foi que vocês fizeram?
- Tomamos a bola dele."

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Poema Rubro (para as víuvas de Chavez)

 
Um incômodo silêncio pairava no ar
Um incômodo silêncio enlouquecedor,
traduzido na ausência de respostas.
 
É que atordoados pela verdade sobre o gran líder,
o bolivarianos de hoje
(stalinistas, castristras, reformistas de outrora)
não sabem se a cor rubra que cobrem seus rostos
se deve pela vergonha que estão sentido,
ou ao sangue dos revolucionários traídos por Chavez.

(poema protesto contra a entrega de ativistas de esquerda pelo governo Chavez, da Venezuela, para Cia e para o Governo da Colômbia, no outono de 2011)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Palavras Perdidas - uma canção não musicada


Quatro frases eu pensei,
no momento em que topei,
uma amiga distante.

"Fácil culpar outros",
"amor sinto tanta mágoa",
"magoado sinto meu amor"
a saudade tomando conta de mim.

Mas, como começar de novo,
se a dor ainda não passou?
Não temos mais vinte e nove, baby,
o tempo já passou mais vezes,
olhe nossos cabelos brancos.

"Fácil culpar outros",
"amor sinto tanta mágoa",
"magoado sinto meu amor"
a saudade toma conta de mim.

Mas o hoje,
ainda é a energia
energia do nosso amanhã.
E tudo pode recomeçar de novo.
amor ainda a amo!

maio. 2011, Adriano Espíndola

terça-feira, 17 de maio de 2011

Nakba ("Catástrofe")



Não iremos embora
Tawfic Zayyad*

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as idéias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo

Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue

Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro

*Tawfic Zayyad, palestino de Nazaré, é considerado um pioneiro da poesia de resistência. A maior parte de sua obra foi escrita na prisão.