quinta-feira, 31 de maio de 2012

OMISSÃO (Ferreira Gullar)

I

Não é estranho
que um poeta político
dê as costas a tudo e se fixe
em três ou quatro frutas que apodrecem
num prato
em cima da geladeira
numa cozinha da Rua Duvivier?

E isso quando vinte famílias
são expulsas de casa na Tijuca,
os estaleiros entram em greve em Niterói
e no Atlântico Sul começa
a guerra das Malvinas.

Não é estranho?
por que então
mergulho nessa minicatástrofe
doméstica
de frutas que morrem
e que nem minhas parentas são?
por que
me abismo
no sinistro clarão dessas formas
outrora coloridas
e que nos abandonam agora inapelavelmente
deixando a nossa cidade
com suas praias e cinemas
deixando a casa
onde frequentemente toca o telefone?
para virar lama.

II

É compreensível que tua pele se ligue à pele dessas frutas que apodrecem
pois ali
há uma intensificação do espaço, das forças
que trabalham dentro da polpa
(enferrujando na casca
a cor
em nódoas negras)
e ligam
uma tarde a outra tarde e a outra ainda
onde
bananas apodreceram
subvertendo a ordem da história humana, tardes
de hoje e de ontem
que são outras cada uma em mim
e a mesma talvez
no processo noturno da morte nas frutas
e que te ligam a ti através das décadas
como um trem que rompe a noite
furiosamente dentro
e em parte alguma
- é compreensível
que dês as costas à guerra das Malvinas
à luta de classes
e te precipites nesse abismo
de mel
que o clarão do açúcar nos cega
e diverte ser espectador da morte, que é também a nossa,
e que nso atrai com sua boca de lama sua vagina
de nada
por onde escorregamos docemente no sono
e é bom morrer
no teatro
vendo morrer
pêras ardendo
na sua própria fúria
e urinando
e afundando em si mesmas
a converter-se em mijo, a pêra, a banana ou o que seja
e assistes
à hecatombe
no prato
sob uma nuvem de mosquitos
e não ouves o clamor da vida
aqui fora
na rua na fábrica na favela do Borel
não ouves
o tiro que matou Palito
e não ouves, poeta,
o alarido da multidão que pede emprego
(são dois milhões sem trabalho
há meses
sem ter como dar de comer à família
e cuja história
é assunto arredio ao poema).

É a morte que te chama?
É tua própria história
reduzida ao inventário de escombros
no avesso do dia
e não mais esperança
de uma vida melhor?
que se passa, poeta?
adiaste o futuro?

segunda-feira, 14 de maio de 2012

FODAM-SE VOCÊS, FODA-SE SUAS LEIS. SOBRE A ABUSIVA PRISÃO DORAPPER EMICIDA EM MINAS GERAIS

O rapper Emicida foi detido na noite deste domingo (13) após terminar seu show no festival Palco Hip Hop, em Belo Horizonte (MG), acusado de desacato à autoridade.


O motivo foi o seguinte comentário do músico, feito antes de dar início à música “Dedo na Ferida”, a primeira de seu show. “Antes de mais nada, somos todos Eliana Silva, certo? Levanta o seu dedo do meio para a polícia que desocupa as famílias mais humildes, levanta o seu dedo do meio para os políticos que não respeitam a população e vem com ‘noiz’ nessa aqui, ó. Mandando todos eles se fuder, certo, BH? A rua é noiz.” O momento foi registrado em vídeo.

Policiais militares que prestavam serviço no evento consideraram o comentário ofensivo a eles, esperaram que Emicida terminasse seu show e deram voz de prisão ao músico, que foi levado ao 39 DP (Barreiro) pouco depois das 19h30 e liberado por volta das 22h35.

Foto: Divulgação FDE

Na versão que foi registrada no Boletim de Ocorrência, policiais afirmam que Emicida teria dito uma frase diferente da que o vídeo e o áudio em anexo comprovam. Por isso, o músico não assinou o documento. A alegação dos policiais é a de que ele teria dito a seguinte frase: "Eu apóio a invasão do terreno Eliana Silva, região do Barreiro, tem que invadir mesmo, levantem o dedo do meio para cima, direcione aos policiais, pois todos esses tem que se fuder".
Em nenhum momento o rapper se dirigiu diretamente aos policiais militares que trabalhavam no evento ou pediu que o público fizesse algum gesto obsceno a eles. O show ocorreu sem nenhuma confusão.

Foto: Divulgação FDE

Emicida agradece às manifestações de apoio e carinho dos fãs. Na noite deste domingo, a notícia de sua detenção chegou a ser o assunto mais comentado do Twitter no Brasil e ficou entre os TTs mundiais também.
clique no link abaixo o áudio da frase dita pelo rapper e mais abaixo a reprodução do texto do documento.

http://soundcloud.com/emicidacachoeira/emicida-dedo-na-ferida-ao-vivo


“Senhor Delegado,
Nesta data, ocorreu um evento na Av. Afonso Vaz de Melo, próximo a PUC de Barreiro, conforme ordem de serviço nº 306812/41º BPM, acordado entre o comando e organização do evento, denominado “Palco Hip Hop”,  onde vários artistas gênero se apresentaram, dentre os quais destacamos a participação do presente conduzido de codinome “Emicida”, este na abertura do seu show, proferiu os seguintes dizeres: “eu apoio a invasão do terreno “Eliana Silva”, região do Barreiro, tem que invadir mesmo, levantem o dedo do meio para cima, direcione aos policiais, pois todos esses tem que se fuder. Vale a pena lembrar que o público presente estava em grande quantidade e tais declarações objetivavam insuflar o público contra os policiais militares que estavam de serviço no evento, que colocou em risco a integridade física dos policiais militares e dos envolvidos no evento. Diante do exposto, esperamos que o cantor Emicida terminasse o seu show, oportunidade em que foi dado voz de prisão ao autor pelo crime de desacato, sendo garantido seus direitos constitucionais. Conduzimos o referido a delegacia regional de Barreiro para as providências que couber o fato. Ressalto que a testemunha Evandro Roque de Oliveira irmão do autor e o senhor Elcio Pacheco o advogado do conduzido. “

fonte: Assessoria de imprensa - imprensa@emicida.com